Ao encaminhar o processo de investigação de Milton Ribeiro ao Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz federal Renato Borelli cita três conversas em que o ex-ministro demonstra ter medo de operações da Polícia Federal nas investigações sobre a influência de pastores no Ministério da Educação (MEC). Leia as transcrições dos áudios:
Conversa com uma pessoa identificada como Waldomiro:
Milton: Tudo caminhando, tudo caminhando. Agora tem que aguardar, né? Alguns assuntos estão sendo resolvidos pela misericórdia divina, né? O negócio da arma, resolveu. Aquele, aquela mentira que eles falavam, que os ônibus estavam superfaturados no FNDE pra (ininteligível) também. Agora vai faltar o assunto dos pastores, né? Mas eu acho assim, que o assunto dos pastores é uma coisa que eu tenho receio um pouco é de o processo fazer aquele negócio de busca e apreensão, entendeu?
Conversa com uma pessoa identificada como Adolfo:
Milton: (…) mas algumas coisas já foram resolvidas, né? A acusação de que houve superfaturamento, isso já foi. Agora resta o assunto do envolvimento dos pastores, mas eu creio que, no devido tempo, vão ser esclarecidos.
Conversa com familiar:
Milton: Não. Não é isso. Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa, sabe? É muito triste. Bom, isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né?
Na decisão, Borelli diz que as conversas revelam “contornos de interferência” nas investigações. Nesta sexta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) apontou possível interferência do presidente Jair Bolsonaro nas investigações e pediu que fosse enviada parte dos autos ao Supremo Tribunal Federal (STF). O caso será relatado pela ministra Cármen Lúcia, que deve acionar a Procuradoria-Geral da República para se manifestar, como de praxe.
No documento do MPF, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes pede que seja apurada eventual ocorrência dos crimes de violação de sigilo funcional com dano à administração judiciária e favorecimento pessoal. A reportagem procurou o Palácio do Planalto e aguarda retorno.
O MPF destaca também indícios de “igual interferência” em relação ao tratamento dado pela Polícia Federal a Ribeiro, que “não foi conduzido ao Distrito Federal (não havendo sido tampouco levado a qualquer unidade penitenciária) para que pudesse ser pessoalmente interrogado pela autoridade policial que preside o inquérito policial, apesar da farta estrutura disponível para a locomoção de presos”.
Prisão de Milton Ribeiro
Ribeiro foi preso na Operação Acesso Pago, da Polícia Federal, que apura tráfico de influência de pastores e corrupção para a liberação de recursos públicos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), vinculado ao MEC (Ministério da Educação). O ex-ministro é suspeito de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.
De acordo com as investigações, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura indicavam quais prefeituras deveriam receber verbas do ministério. A suspeita é de que os religiosos cobravam propina para influenciar as decisões tomadas em Brasília em troca. A Polícia Federal reúne documentos, registros de entrada e saída da sede da pasta e depoimentos de testemunhas.
O caso veio à tona em março após o vazamento de um áudio em que Milton Ribeiro diz beneficiar indicados pelo pastor Gilmar a pedido do presidente Jair Bolsonaro. Na gravação, ele diz que as prioridades dele são “atender primeiro os municípios que mais precisam” e “atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”. “Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão de Gilmar. Apoio. Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas”, disse o então ministro da Educação.
Dias depois, ele voltou atrás, alegou que não houve influência do chefe do Executivo no caso e afirmou que o envio dos recursos da pasta aos estados e municípios era feito com base em critérios técnicos.
Fonte: Correio do povo